A partir da terceira edição do projeto MÚSICA NA TENDA, a poesia tem ocupado um espaço no intervalo das apresentações musicais. Nesses momentos, o poeta Valdo Couto, que também é membro da equipe técnica do projeto, tem recitado poesias procurando homenagear poetas da região da Baixada Fluminense junto com poesias de outros autores. Vejam as poesias, façam comentários, deem suas opiniões, elas são muito importantes para nós.
24 DE JULHO
AI SE SESSE *
(Zé da Luz)
SE UM DIA NÓS SE GOSTASSE
SE UM DIA NÓS SE QUERESSE
SE NÓS DOIS SE IMPARIASSE
SE JUNTIM NÓS DOIS VIVESSE
SE JUNTIM NÓS DOIS MORASSE
SE JUNTIM NÓS DOIS DRUMISSE
SE JUNTIM NÓS DOIS MORRESSE
SE PRO CÉU NÓS ASSUBISSE
MAS, PORÉM, SE ACONTECESSE
DE SÃO PEDRO NUM ABRISSE AS PORTA DO CÉU E FOSSE TE DIZER QUARQUER TOLICE!!
E SE EU ME ARRIMINASSE E TÚ CUM EU INSISTISSE
PRA QUE EU ME ARRESORVESSE
SE A MINHA FACA PUXASSE
E O BUCHO DO CÉU FURASSE
TARVEZ QUE NÓS DOIS FICASSE
TARVEZ QUE NÓS DOIS CAÍSSE
E O CÉU FURADO ARRIASSE
E AS VIRGE TODA FUGISSE !!!!!
* Poema feito por Zé da Luz, um poeta do início do século XX após ter ouvido um comentário dizendo que "pra falar de amor, é necessário um português rebuscado, correto, sem nenhum erro". Zé da Luz provou com o "Ai Se Sesse" que, pra falar de amor basta senti-lo de verdade.
EVOLUÇÃO DO HOMEM Pro Beto Gaspari
(Vicente Portella)
AFLORA E NASCE
MOSTRA UMA FACE
UNS OLHOS CERTOS
OUTROS DE IMPASSE
SE ERGUE E FALA
CORRE NA SALA
UM OLHO GRITA
OUTRO SE CALA
DESANDA E CRESCE
COM TANTA PRECE
UM OLHO DOA
OUTRO CARECE
TROPEÇA E XINGA
E CHORAMINGA
UM OLHO É RAIVA
E O OUTRO É GINGA
CORRE NA RUA
COM A ALMA NUA
UM OLHO É FESTA
O OUTRO SUA
E À NOITE ENTÃO
NA ESCURIDÃO
UM OLHO CHORA
O OUTRO NÃO
DEPOIS É O DIA
E A POESIA
UM OLHO SONHA
E O OUTRO VADIA
E VEM A TRILHA
E A ARMADILHA
UM OLHO TREME
O OUTRO BRILHA
DEPOIS PIORA
É CHEGADA A HORA
EM QUE UM OLHO É TRISTE
E O OUTRO OLHO CHORA
MAS CHEGA O CANTO
BANINDO O PRANTO
E UM OLHO É VIDA
OUTRO É ENCANTO.
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31 DE JULHO
TLANK
(Lirinha / Cordel do Fogo Encantado)
A PRISÃO É SINISTRA, AMARGA E FEIA
DUM VELÓRIO TEM POUCA DIFERENÇA
NÃO CONHEÇO QUEM VÁ PEDIR LICENÇA
PRA ENTRAR NO PORTÃO DE UMA CADEIA
SÓ À NOITE, DEPOIS QUE A LUA ALTEIA
APARECEM SINAIS DE CLARIDADE
UMA SOMBRA DISTANTE OCULTA A GRADE
LIMITANDO A VISÃO DO INDECISO
UMA GOTA DE PRANTO MOLHA O RISO
QUANDO O PRESO RECEBE A LIBERDADE.
O LOUCO
Para o João Luiz
(Vicente Portella)
TODO CAMINHO É FEITO DE PEDRAS
HÁ QUE MOLDAR-SE A ELAS
OU RETIRÁ-LAS DA ESTRADA
TODO CAMINHO É FEITO DE ÁGUAS
HÁ QUE BEBER-SE DEPRESSA
OU SUBMETER-SE ÀS ALMAS
TODO CAMINHO É FEITO DE ESPERAS
HÁ QUE ESPERAR-SE SENTADO
OU INICIAR-SE EM JORNADAS
NA ESTRADA QUE SE INSINUA
TAL CORPO DE MULHER NUA
CURVILÍNEO E PERIGOSO
O TOLO SEGUE ORGULHOSO
ALHEIO A COMPREENSÕES
OS CÃES, OS RATOS, OS LEÕES
ATACAM EM DEMASIA
O LOUCO SEGUE TRANQUILO
A LUZ DO SEU PRÓPRIO DIA
À REVELIA CAMINHA
O BOBO DA CORTE, O SER
QUE EXPÕE-SE DE FORMA BUFA
AOS OLHOS VAGOS DO POVO
O BUFÃO É COMO UM CORVO
QUE VOA RUMO AO INFINITO
INDIFERENTE, ATRAVESSA
A ESTRADA FEITA DE PEDRAS
DEPOIS NADA DISPLICENTE
NA ESTRADA FEITA DE ÁGUAS
NA ESTRADA FEITA DE ESPERAS
CRUZA A SOLEIRA DAS ERAS
E ENCONTRA-SE COM O NADA
A PEDRA, A ESPERA E A ÁGUA
É A TRÍADE SÓBRIA E SURDA
O LOUCO, É A PRÓPRIA ESTRADA.
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07 DE AGOSTO
DOS TRÊS MAL AMADOS
(Por Cordel do Fogo Encantado/Composição de João Cabral de Melo Neto)
O AMOR COMEU MEU NOME,
MINHA IDENTIDADE, MEU RETRATO
O AMOR COMEU MINHA CERTIDÃO DE IDADE,
MINHA GENEALOGIA, MEU ENDEREÇO
O AMOR COMEU MEUS CARTÕES DE VISITA,
O AMOR VEIO E COMEU TODOS OS PAPEIS ONDE EU ESCREVERA MEU NOME
O AMOR COMEU MINHAS ROUPAS, MEUS LENÇOS E MINHAS CAMISAS
O AMOR COMEU METROS E METROS DE GRAVATAS
O AMOR COMEU A MEDIDA DE MEUS TERNOS, O NÚMERO DE MEUS SAPATOS,
O TAMANHO DE MEUS CHAPÉUS
O AMOR COMEU MINHA ALTURA, MEU PESO, A COR DE MEUS OLHOS E DE MEUS CABELOS
O AMOR COMEU MINHA PAZ E MINHA GUERRA,
MEU DIA E MINHA NOITE,
MEU INVERNO E MEU VERÃO
COMEU MEU SILÊNCIO, MINHA DOR DE CABEÇA...
MEU MEDO DA MORTE.
SER AGRÁRIO
(Gentil Nogueira Ramos)
MÃE, MÃOS MINHAS
MINHAS MÃOS, MÃE MINHA
DÊ-ME A TERRA
QUE TU SEMPRE TERÁS
SILENCIAI, OH MÃE A GUERRA!
OLHAI O AFÃ DO SER AGRÁRIO
REPATRIAI TEUS FILHOS,
FAZEI DELES DIGNOS ANFITRIÕES,
DEIXAI VALER O INCESTO DE MINHAS MÃOS NO TEU OVÁRIO
E PROCRIAI DE TI O ALIMENTO ABENÇOADO
BEM VINDO SEJA O FRUTO DO TRABALHO
MÃE, MÃOS MINHAS
MINHAS MÃOS, MÃE MINHA
DO QUE SOU, PRA SEMPRE SERÁS
ABENÇOAI, OH MÃE! AQUELES QUE DE CARINHO E DE CUIDADO TE COBREM
NAS ESCOLAS, NAS PRAÇAS, CASAS E RUAS
SALPICANDO TUA PELE COM SEMENTES DE AMOR
QUE NASCERÁ E CRESCERÁ TORNANDO TU MINHA MÃE,
NÃO DONA DO MUNDO, MAS SIM, COM DESTAQUE SOBERANO
CAPAZ DE MUDAR A TRAJETÓRIA HUMANA POR UMA HUMANIDADE MAIS FELIZ
MÃE, MÃOS MINHAS
MINHAS MÃOS, MÃE MINHA
DÁ-ME FORÇA, DIREITO E PAZ
LICENCIAI DE TUA BANDEIRA OS QUE DE TI NÃO SE ORGULHAM
DESERDE-OS DO TEU RASTRO, POIS SÃO PAGÃOS DESPATRIADOS
E SE DELES NÃO SOBRAR UM PÉ DE CHÃO DE LUCIDEZ,
REZE, OH MÃE! POR SUAS ALMAS, POIS TRAÇAREI MINHA INSENSATEZ.
MÃE, MÃOS MINHAS
MINHAS MÃOS, MÃE MINHA
SOU DE TI, E PRA SEMPRE SEREI.
